11 Feb Deixemos já de tanto ódio, senadora
A senadora María Fernanda Cabal, destacada integrante do partido Centro Democrático, publicou uma coluna de opinião que intitulou Bolsas para Cuba, na qual verte seus critérios contra a pátria de Martí, sua revolução e seus feitos de solidariedade e humanidade.
Desde logo que a ninguém se pode negar o direito a expressar seu pensamento de maneira livre, ao fim e ao cabo nossa rebelião enfrentou a perseguição e o crime que sofríamos os colombianos opostos ao regime vigente. Uma vez alcançados os Acordos de Havana, conquistamos que o debate civilizado de ideias substituísse em nosso país o estigma e a violência, ainda que persistam forças empenhadas em negar essa elementar passagem à civilização e á democracia.
Qualquer observador desprevenido está obrigado a reconhecer que a revolução cubana, entendida como explosão social e política de imensas repercussões locais e internacionais, leva a honra de ter sido a menos violenta da história universal.
Se vamos falar de execuções, massacres, torturas, prolongados encarceramentos e exílios, não cabe a menor dúvida de que a Colômbia, considerada como a democracia mais antiga do continente, conta em seu haver com horrores indescritíveis, não somente em seu nível de barbárie como também no exagerado número de vítimas, muitas a mais que dois terços da população de Cuba.
A leitura da realidade cubana que a senadora Cabal faz atrita completamente com fatos contundentes. Perguntemo-nos se o Estado colombiano concedeu uma só vez mil bolsas que cubram estudos, moradia e apoio integral para nacionais pobres que queiram realizar estudos de medicina ou de qualquer outra carreira. Cuba sim, o faz, o que a enaltece, dado ademais que conta com um produto interno muito abaixo do nosso.
Em Cuba se graduaram 35.613 profissionais da saúde de 138 países, incluindo aos Estados Unidos da América. Deles, 29.746 estudaram na Escola Latino-americana de Medicina [ELAM], fundada em 1999, projeto que foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde. Fidel conseguiu inculcar no povo cubano a ideia de que a solidariedade é compartir o pouco que se tem e não dar a outros o que nos sobra.
Isso sintetiza os valores da revolução cubana e se torna absolutamente incompatível com a mentalidade de lucro que inspira a tanta gente instalada no poder no mundo. Só em 2014 Cuba respondeu ao chamado da ONU e da OMS, com 256 profissionais cubanos da saúde que viajaram a três países da África para contribuir na atenção dos enfermos de ebola.
E apesar das estúpidas acusações de fomentar guerrilhas na América Latina, Cuba leva o mérito de ter dado todo apoio à firma de um Acordo de Paz entre o Estado colombiano e as FARC-EP, o maior e mais antigo movimento guerrilheiro do mundo, atitude semelhante à que assumiu para a consecuçao de outro Acordo com o ELN, interrompido quando o Centro Democrático conquistou a vitória eleitoral com seu candidato Iván Duque.
Em sua obsessão por atacar o gesto da República de Cuba, a senadora a arremete contra os Acordos de Paz de Havana, acusando as FARC de seu descumprimento e rearmamento, uma acusação mil vezes irresponsável para com os milhares de subscritores da paz que permanecem fiéis a sua palavra e que vêm sendo assassinados impunemente por agentes inspirados no ódio que pessoas como a senadora Cabal se esforçam em semear e instigar diariamente.
A reiterada repetição das acusações que a direita ultramontana tem empregado contra as FARC, de que se orgulha a senadora María Fernanda, recorda uma vez mais o clássico adágio nazista segundo o qual uma mentira repetida cem vezes se converte em verdade. A cada dia é mais evidente, com sentenças da Corte Suprema de Justiça, que a Promotoria de Néstor Humberto Martínez concebeu as mais grotescas montagens contra o pactuado nos Acordos de Paz.
O monitoramento formal do cumprimento dos Acordos de Havana se encontra em mãos do Conselho de Segurança das Nações Unidas, assim como de respeitabilíssimas entidades de caráter nacional e internacional. Nenhum assinalou nem uma só vez o que afirma a senhora senadora, ao contrário, manifestaram, sim, preocupação com o trabalho paquidérmico do governo atual na matéria.
Como a senhora Cabal costuma estar mal informada, vale contar para ela que os atuais beneficiários das 569 bolsas outorgadas por Cuba até o momento estão distribuídas assim:
38 ex-guerrilheiros das FARC e 21 ex-servidores da força pública ou seus familiares, enquanto as outras 510 são para jovens de ambos os sexos vítimas do conflito, familiares de ex-combatentes, integrantes de organizações sociais, de indígenas e afro-colombianos. A gente assim é que a senadora quer negar essa oportunidade.
Por fortuna e sem dissimulação alguma, a senadora solta um último parágrafo que revela sua verdadeira condição intelectual e moral: acreditar num comunista é apertar o gatilho da arma contra si mesmo. Jogo mau. Perigoso para a segurança do Estado.
Linguagens assim produziram os monstros do fascismo, a segunda guerra mundial, as sangrentas ditaduras militares que assolaram nosso continente, o ataque a Marquetalia que nos condenou a mais de meio século de enfrentamento fratricida, a perversa guerra suja, o extermínio da União Patriótica, a demencial investida paramilitar e até os falsos positivos.
Cuba suportou [e suporta] heroicamente sessenta anos do mais cruel bloqueio por parte dos Estados Unidos e sua resposta foi que nos últimos 55 anos mais de 400 mil cubanos profissionais da saúde, entre médicos, enfermeiros e técnicos, brindaram sua cooperação em 164 países. Hoje em dia mais de vinte e nove mil desses profissionais atuam em 62 países.
Deixemos já de tanto ódio, senadora. A Colômbia merece uma oportunidade distinta para as novas gerações. Debatamos fraternalmente, como filhos da mesma pátria, esse é o núcleo dos Acordos de Havana. Nunca mais a guerra. Gostaríamos que conversasse conosco, talvez assim algo mude para o bem em nosso querido país.
RODRIGO LONDOÑO ECHEVERRY
Presidente da FORÇA ALTERNATIVA REVOLUCIONÁRIA DO COMUM FARC
Bogotá D.C., 11 de fevereiro de 2020.
Tradução > Joaquim Lisboa Neto